Pedro [o Cruel] mandou chamar os seus cortesãos, as damas e o seu herdeiro, os físicos e os bispos; mandou que a sua corte se reunisse, nobres, cavaleiros e doutores. E disse-lhes:
— Sabeis, senhores, o que é a alegria?
Ninguém falou. Por fim, um velho avançou, passou a pálida mão pela barba branca, e respondeu, olhando para o chão:
— A alegria é a fama dum grande rei espalhada por todos os povos da terra.
— Merecias duas bastonadas, uma pela lisonja, outra pelo mau conselho.
E Pedro voltou-se para um pajem que lhe apresentava uma taça de água amarga, que era a sua medicina.
— Tu sabes o que é a alegria?
— É a mocidade — disse o rapaz.
— É uma febre — disse um médico, escondendo nas mangas as mãos longas e geladas.
— É o amor — disse uma dama.
— É a glória — disse um guerreiro.
— É a liberdade — disse um trovador.
O rei Pedro voltou-lhes as costas, e não quis ouvir mais. Ouvia, sim, misturada com o vento, a música do tocador de rebeca, e sentia-se muitíssimo alegre e despreocupado. A alegria era aquilo.[…]
— O homem mais cruel do mundo é também o mais sonhador — pensou o rei.
(Excerto do conto de Agustina Bessa-Luís — O Baile dos Archotes — 1959)